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Projetos Florestais e o Desenvolvimento
27/02/2004


Projetos florestais e o desenvolvimento

Gazeta Mercantil - 26 de Fevereiro de 2004

A partir da Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, realizada há mais de uma década, a sociedade passou a discutir formas de equacionar os problemas oriundos das chamadas mudanças climáticas que vêm ocorrendo no planeta.

 

Um dos maiores problemas é o conhecido efeito estufa, que nada mais é do que o aquecimento global da temperatura na superfície da Terra devido ao acúmulo de grande quantidade de gases tóxicos oriundos da queima de combustíveis fósseis (carvão petróleo), florestas e pastagens. Apesar de ser um fenômeno natural e necessário para a manutenção da vida na Terra, pode ser muito prejudicial ao planeta.

 

Visando conter e minimizar as conseqüências do efeito estufa exacerbado, foi estabelecido, no ano de 1997, em uma das rodadas de negociações denominada Conferência da Partes (COP 3), o Protocolo de Kyoto, objetivando que os países industrializados constantes do chamado Anexo 1 reduzissem suas emissões combinadas dos gases que provocam o efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis apontados em 1990, até o período entre 2008 e 2012.

 

Mesmo ainda carente de plena eficácia, o Protocolo de Kyoto viabilizou e estabeleceu parâmetros às ações necessárias para redução de emissão de gases de efeito estufa, bem como criou mecanismos de controle e desenvolvimento sustentável, proporcionando um maior desenvolvimento sócio - econômico dos países que não constam do chamado Anexo 1.

 

Tais países, a maioria em desenvolvimento, poderão se valer de créditos pela captação de gases de efeito estufa ou pela redução de emissão desses mesmos gases, por meio de investimentos internos ou externos nos chamados projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL. Tais créditos poderão ser negociados com os países constantes do Anexo 1 que não conseguirem reduzir suas emissões, conforme previsto no Protocolo.

 

Na última Conferência das Partes (COP 9) realizada entre os dias 01 e 12 de dezembro de 2003, em Milão, foram estabelecidas as regras e definições para o enquadramento dentro do MDL dos projetos de uso da terra, mudança no uso da terra e florestas (LULUCF – land use, land use change e foresty), unindo-se a outras formas de atividades, como as de energia renovável, por exemplo, contemplando, inclusive, os projetos florestais de pequena escala.

 

Projetos florestais contendo todos o requisitos necessários e exigidos pelas autoridades competentes também darão origem aos chamados “créditos de carbono”, que poderão ser negociados com os países desenvolvidos que necessitam reduzir suas emissões, por meio de certificados (CRE – Certificado de Redução de Emissão).

 

Referidos projetos, incluindo os de reflorestamento, estavam na dependência de tal aprovação e do estabelecimento de suas regras e definições, a fim de que pudessem se enquadrar ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e gerar os tão cobiçados “créditos de carbono”.

 

Contudo, de acordo com alguns estudos já realizados, inclusive pela própria Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da Universidade de São Paulo, demonstram que, aparentemente, apenas projetos que envolvam grandes quantias em investimento e que abranjam extensas áreas de terra viabilizariam a obtenção significativa de créditos, suficientes para compensar o alto investimento empregado.

 

Isso se deve aos padrões não homogêneos de negociação e mensuração dos “créditos de carbonos” hoje existentes nos mercados paralelos, negociados, principalmente, pelas Bolsas de Chicago e Amsterdã, variando significativamente os valores envolvidos, desde menos de um dólar norte americano até cinco dólares por tonelada de carbono captado. Somam-se a isso as enormes despesas para validação, registro e certificação dos projetos, nos moldes exigidos para aprovação de um projeto de MDL.

 

Com isso, projetos florestais de pequena escala que, teoricamente, não gerariam grandes quantidades de “crédito de carbono” seriam, em tese, economicamente inviáveis.

 

Desmistifica-se, de certa forma, o que vem sendo divulgado por notícias que pintam projetos florestais, independentes de sua natureza, como sendo uma verdadeira mina de ouro na captação de “créditos de carbono”. Na verdade, é necessário analisar todos os pontos envolvidos nos projetos de ordem florestal, principalmente os custos e o montante de crédito que o projeto proporcionará, além da sua viabilidade social, entre outros fatores.

 

Talvez, permanecendo os requisitos e exigências nos padrões em que hoje se encontram, em termos de custo, os projetos florestais de MDL, principalmente os de pequena escala, correm o risco de serem colocados de lado, perdendo-se, assim, uma grande oportunidade de se produzir desenvolvimento sustentável aliado ao desenvolvimento econômico.

 

Ressalte-se que a provável inviabilidade econômica acima delineada refere-se, tão somente, aos ganhos com a eventual comercialização de “créditos de carbono”, não se considerando os possíveis ganhos com o mercado madeireiro, nos casos de reflorestamentos que visem tal mercado, em um investimento de médio a longo prazo, além de outros ganhos que poderão ser percebidos por meio de culturas integradas aos projetos, como a apicultura e a pecuária bovina, por exemplo.

 

Conclui-se, portanto, a necessidade fundamental de se estabelecer padrões concretos e claros para a comercialização dos “créditos de carbono”, estabelecendo-se critérios que viabilizem a estruturação de projetos sob a égide do MDL, sejam eles florestais ou não e independentes de sua vultuosidade, possibilitando uma estruturação mais confiável e segura das atividades, sem falar na indispensável ratificação do Protocolo de Kyoto, sem a qual, muito do que hoje se discute não ultrapassará o campo das hipóteses.

(Caderno Legal & Jurisprudência 1)(Marcello Junqueira Franco Cunha - Advogado de Gomes de Araujo Advogados Associados)

Marcello Junqueira Franco Cunha (marcello@gomesdearaujo.com.br)